Quinta da Regaleira

QUINTA DA REGALEIRA

(UMA “COMENDA LUSIGNAN”)

vitor manuel adrião


Multa paucis... Muitas coisas em poucas palavras.


    Uma Mansão numa Quinta digna dos contos das “Mil e Uma Noites”, instalada num dos recantos luxuriantes de Sintra junto a Seteais, no lugar dos Pisões, é comumente conhecida como a Regaleira ou Torre, ou ainda mais vulgarmente, dos “Milhões”...

    Inacessível ao público até há poucos anos atrás, quando em março de 1997 a Câmara Municipal de Sintra a comprou ao grupo japonês Aoki Corporation, que por sua vez a comprara em 1987 à família de Waldemar d´Orey que a adquirira dos descendentes do proprietário original, este conjunto ímpar deve destinar-se, sobretudo, a Museu do Romantismo “Neo-Manuelino” aberto a Portugal e ao Mundo, cada um devendo vê-lo e lê-lo conforme a sua vista e entendimento alcança, mas em si mesmo inteiramente apartado de quaisquer cotações sectárias ou religiosas porventura filiações estranhas a quem o mandou fazer.

    A Mansão afigura-se um “bolo de noiva” ou um “palácio de fadas”, no qual a beleza da estética arquitectural se decora, parecendo sortilégio, de vasto simbolismo esotérico com não poucas referências arrancadas à Divina Comédia de Dante Alighiere e a Os Lusíadas, de Luís de Camões, um escritor ao serviço da Ordem do Templo, e outro Fiel de Amor, mas ambos adaptados aqui de maneira a inscreverem a Tradição Iniciática Portuguesa, para não dizer Universal.

    Contudo, devo começar pela génese do lugar e dos sucessivos moradores até ao aparecimento do famoso “Monteiro dos Milhões”!...

  

  Nada foi feito ao acaso nesta Quinta, tudo tem um sentido, antes, um duplo sentido, imediato e velado. De maneira que começo por observar um painel de azulejos no “Jardim da Fada”, servindo de cimalha à entrada na feira junto à Torre, esta que deu nome ao sítio. Esse painel representa um grupo de sacerdotisas greco-romanas rodeadas de pombas, cães galgos lebreiros e uma corça, as quais fazem oferenda num tripode a uma estátua que não me admiraria fosse a deusa Cyntia, a senhora Soberana desta Montanha que lhe leva o nome a qual era, segundo a Tradição, o cerne do culto matriarcal das sacerdotisas atlantes daqui. Estou em crer que a Regaleira ou Rej-Vah fosse já no Período Atlante domínio ou “comendadoria” sagrada de Pítias e Sibilas consagradas ao culto venusto da Deusa-Lua, Cyntia, Io ou Ísis... Ísis que, aliás, está representada em azulejo na ermida de São Julião da Carvoeira.

    Na alegoria vê-se uma pomba a ser sacrificada. Não deixa de representar o Sacrifício do Graal – a Tradição do “Saint Vaisel” é toda ela de origem Atlante – por a pomba ser o símbolo zoomórfico Espírito Santo de que Graal é o Vaso de Eleição. Sobre isso, diz Lorenzo Paolo Domiciani 1:

    «Coração, Taça e Pomba representam uma Tríade incomparável para aqueles que sabem decifrar as cousas que a este mundo não pertencem...»

    O Coração é o Espírito como Livro da Vida, relacionado com o Mundo Espiritual; a Taça é a Alma relacionada com o Mundo Humano e a Divina Abundância, derramada da Cornucópia dos Deuses; finalmente, a Pomba designa o Corpo consagrado e sacrificado na Pedra ou Ara das Oferendas, esta também equivalendo às Revelações do Espírito Santo (a Avis ou Siva).

Quanto à corça é o animal lunar da mansidão, do feminino, da beleza. É ligada ao Arcanjo Gabriel e, na tradição hindustânica, ao Maharaja Virupaksha, que “com a sua corça” actua através de Apas (Água) a Oriente.

    O tripode (o vaso onde ardem as brasas do Fogo Sagrado ou Agni, tradicionalmente assente sobre três pés de dragão) representa a matriz, o órgão feminino (cteis ou yoni) cujo Fogo a fecunda (linga, antes, shivalinga). O tripode teúrgico é ainda identificado ao athanor alquímico, sendo o vaso o elemento feminino (2) e o fogo o masculino (1), de cuja união nasce a Obra Filosofal ou Filial (3), a Perfeição da Pedra.

    «À Pedra também chamam Graal», escreve Eschenbach no Parzival, identificando-a à Pedra Filosofal. Mas a Pedra também é a Mãe, a Grã-Mestrina: dá a vida, alimenta, consagra. Todas as deusas-mães dos antigos são deusas de fertilidade e fecundidade: Cyntia, Lusina, Gaia, Atégina, Senhora do Ó, Senhora da Conceição, entre os Lusos; Rhea, Hera, Demeter, Cibele, entre os Gregos; Ísis, entre os Egípcios; Parvati e Kali, entre os Hindus; Durga e Tara, entre os Tibetanos, etc. A Mãe Divina representa a Força Vital do Universo, o Princípio Espiritual que o rege, expresso sob uma aparência feminina. É a Consciência da Manifestação, ou melhor, a Consciência do Todo manifestado, a Grande Shakti ou “Criador” pelo impulso de Kundalini, a Força Electromagnética vital e coerciva que agrega, transforma e impulsiona as formas e as essências suas animadoras no esteiro da Evolução Universal, e a qual é representada por uma serpente. No Sepher-Ha-Zohar fala-se também da Grande Mãe (Mem), do Grande Mar ou “Oceano Sem Praias”. O Grande Mar é cabalisticamente a sephiroth Binah, precisamente chamada “Grande Mãe”, a Mãe Divina como Espírito Santo ou Shekinah – a “Presença Real de Deus”. O seu símbolo é a pomba pairando no ar, a que pairou sobre as Águas no momento da Criação. A Binah é ainda a Mãe Superior, a Mediadora entre o Céu e a Terra, tal qual a Mãe de Deus na ortodoxia católica. Mas o seu aspecto fundamental é o que se liga à Criação, à transmissão da Vida oficiando a esta 2.

    Voltando à Regaleira, este espaço e o circunvizinho seriam mais tarde domínio castrejo da civilização Celta, cujo estilo se denota na feitura inacabada de um dos dois «poços» da Quinta, que de poços nada têm, pelo que se deve chamar-lhes torres subterrâneas «com os nichos das almas que por elas descem e sobem» (segundo Dante), o que se ajusta inteiramente à escadaria em espiral (sendo a inacabada – será que não se quis que ficasse assim? – de feição mais antiga e menos profunda, feita de blocos sobrepostos de intervalos laterais. É obra de Manuel Bernardo, antigo proprietário da Quinta, em 1830, tendo sido quem a baptizou de Regaleira); também se notava isso numa penha fálica oca (qual linga) erguida aos céus, hoje desaparecida e que ficava junto da torre da Quinta, a qual nos inícios do século XX o povo chamava “Pedra dos Mouros”.

    Milénios depois o lugar será ocupado pelos Franciscanos, que o doam aos seus congéneres eremitas: os Capuchinhos. Diz-se ter pertencido a um prior da freguesia de Santa Maria de Sintra, e fala-se na existência dum eremitério aqui. Pouco se sabe disso, pois aqui tão-só resta o testemunho da passagem Franciscana nuns azulejos do século XVII, assinalando as estações da primitiva Via Sacra, um dos quais, o mais intacto, indica a 14.ª estação, precisamente a da deposição do corpo de Jesus no jazigo ou cripta, após retirado da cruz.

    Ainda assim sabe-se que os terrenos da actual Quinta foram adquiridos em 1697 por José Manuel Lopes Leite, quiçá o mesmo prior da freguesia de Santa Maria ou um seu descendente, e depois, em 1715, Francisco Alberto Guimarães de Castro compraria a Regaleira em praça pública, dando-lhe o nome de Quinta do Castro ou da Torre. No início do século XIX, em 1800, a Quinta foi cedida a João António Lopes Fernandes, e em 1830 comprada pelo citado Manuel Bernardo, que lhe deu o nome de Regaleira, e dez anos depois foi adquirida pela filha de um opulento comerciante do Porto, Ermelinda Allende Almeida, que ficou conhecida como a Baronesa da Quinta da Regaleira. Após a sua morte, em 1840, a Quinta foi mais uma vez vendida, desta feita ao Dr. António Augusto de Carvalho Monteiro, pela quantia de 25 contos de réis. Carvalho Monteiro adquiriu, em 1896, ao Marquês da Praia e Monforte, parte das terras da então denominada “Quinta de Cima do Campo de Seteais”, completando assim as actuais dimensões da Quinta da Regaleira, tendo cerca de cinco hectares de extensão.

    Voltando mais atrás, adianto que o domínio Atlante, depois Celta e finalmente Franciscano dos antigos moradores do sítio, estendia-se até à Cruz Alta e à Peninha como “Comenda ou Comendadoria Graalística”, se assim me posso exprimir.

Quanto ao interesse da opulenta senhora do Norte pela compra deste sítio que a consignou “Baronesa da Regaleira”,  acaso poderá dever-se a que, ainda na Idade Média ou na Renascença, algum membro da família Torre tivesse vivido aqui junto dos Franciscanos, tendo posteriormente, possivelmente pela mão de Francisco de Castro, sido erguida a torre (sobre a qual Carvalho Monteiro levantaria depois uma outra) em memória desse facto genealógico, sugestão dada pelo próprio Armorial Lusitano (Genealogia e Heráldica), quando a ele se refere 3:


    «TORRE. Querem alguns autores que esta família seja de origem espanhola e se tenha chamado na terra de proveniência de La Torre, porém, a carta de brasão de armas que se lhe refere não alude à origem exótica e indica Pedro Vicente da Torre, fidalgo muito honrado e principal tronco desta linhagem, o qual terá vivido na primeira metade do século XV. Talvez fosse português e tivesse o apelido de algum lugar ou quinta assim chamada.

    «As armas desta linhagem são: De vermelho, com uma torre de prata, lavrada de negro, ladeada de duas cabeças de leão de ouro, moventes dos flancos do escudo, a torre firmada em um pé de água de sua cor. Timbre: a torre do escudo.»

Estou mais em acreditar que o fidalgo Pedro Vicente da  Torre fosse espanhol morador em Portugal, descendente de  Leão I de Madrid, monarca «de un linage muy alto que decían Lusiñano» 4, nomeado tal em 1383 por D. João I de Castela quando este se encontrava em Badajoz por motivo da sua boda nupcial com a princesa D. Beatriz de Portugal.

O rei lusignan Leão I governou durante sete anos em paz e harmonia os domínios que lhe concedeu D. João I, tendo durante esse tempo mandado reedificar as torres do alcácer real que os séculos tinham deteriorado. Ora as insígnias heráldicas deste monarca lusignan comportam precisamente os mesmos elementos dos de La Torre. Creio que ele, descendente de Hugues II de Lusignan em cujas veias corria o sangue Merovíngio, terá originado os La Torre, e se assim foi Pedro Vicente reintroduziu o Sangue Lusignan em         Portugal, e, seguindo a referência do Armorial, o fixado em Sintra, através dos espirituais Franciscanos.

Disse “reintroduziu”,  porque, como se irá observar, a rainha D. Mafalda,  mulher do nosso primeiro rei, era ela própria lusignan por via da ramificação familiar centro-europeia dos Sabóia e Lorena.

                  Da Linhagem da Torre  saiu  a  da  Regaleira, como de facto aconteceu, tendo sido uma Família muito distinta e ilustre
conforme o próprio nome, Regaleira, indica, através dum derivado seu: Regalista, “o que goza dum benefício ou regalia concedida pelo rei”. Esse rei teria sido D. João I de Portugal, o introdutor e protector dos Torre (-Lusignan) no Reino.



A Família Torre ir-se-á unir no século XVIII a uma outra: a Carvalho e Melo, em que se destacou Sebastião de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal e Conde de Oeiras (vila com o brasão dos Carvalho, possuindo alegoria claramente Lusignan), casado em 1745 com a Condessa austríaca Leonora Von Daun de Lorena, Casa esta intimamente ligada à helvética de Sabóia, nascida de antigas ligações dos descendentes dos reis merovíngios com os senhores de Lusignan e Lorena. Com efeito, o 1.º Conde de São Paio (Sampaio), António de São Paio e Melo e Castro Moniz Torre de Lusignan, em 1720, aparece já com as Armas dos Melo e Torre de Lusignan, descendente por via materna da Nobreza de França. Compõe-se da maneira seguinte este ramo nobiliárquico:

1.º Conde de São Paio – António de São Paio Melo e Castro Moniz Torre de Lusignan *1720.

Pai – Manuel António de São Paio, 12.º senhor de Vila Flor *1699.
Mãe – D. Vitória Josefa de Bourbon * 1700.
Casamento (1.º e único) – 1759 com Teresa Violante Eva Judite de Daun * 1746.
Filhos do casamento – Manuel António de São Paio Melo e Castro Torre de Lusignan, 1.º Marquês e 2.º                     Conde de São Paio. Nasceu em 1762 e casou duas vezes: a 1.ª vez com                     Joaquina Maria de Melo, e a 2.ª com Maria Inês de Mendonça.
                    Sebastião José de São Paio Melo e Castro (1764-1826).
                    Francisco José de São Paio Melo e Castro (1767-1811).
                    Leonor Maria José de São Paio Melo e Castro * 1770. Casou com José António                     de Melo da Silva César de Menezes, 2.º Marquês de Sabugosa.
                    José Joaquim de São Paio Melo e Castro * 1775. Casou com Maria Amália da                    Piedade de São Paio.
                    Maria Benedita de São Paio Melo e Castro * 1776. Casou com Salvador Correia                    de Sá, 5.º Visconde de Asseca.
                                      António Luís José de São Payo Melo e Castro *1782. Casou com a sua sobrinha                    Violante Maria Rita de São Paio, 3.ª Condessa de São Paio.
                    Luís José de São Paio Melo e Castro * 1783. Casou com Gertrudes Narcisa de Sousa.

Sobre este assunto das ligações entre famílias até resultar na Família Carvalho Monteiro, já tive ocasião de escrever (in Dogma e Ritual da Igreja e da Maçonaria, Dinapress, Lisboa, 2000):

    «– Esse vínculo supra-esotérico (de Carvalho Monteiro), direi assim, levou-o ao culto permanente do Oculto, do Subterrâneo, do Mistério escondido (tomando por base as lendas arábicas das “1001 Noites”, tanto valendo pelos Véus de Io ou Ísis). Donde a constância de criptas, grutas, etc., em toda a sua Obra, culminada esta com a deposição do seu féretro na cripta fúnebre do Jazigo da Família Carvalho Monteiro (gizado por Luigi Manini, e lá está a assinatura deste), no Cemitério dos Prazeres, Lisboa, tendo entrado nele a 2 de Abril de 1922, trasladado do anterior da Família no mesmo Cemitério, onde entrara às 17 horas do dia 27 de Outubro de 1920.

    « – Obra tendo sempre por centro axial a Torre (havendo na Quinta, como já disse, duas torres subterrâneas, erroneamente chamadas «poços», ainda que de poços nada tenham...), cerne do Mito Lusignan que recriou neste espaço (havendo num terceira torre – que ao espaço infinito está vertida, as outras invertidas – a imagem pétrea de Melusina, a “Dame du Lac”, em versão romântica, tendo no regaço uma pomba e um cisne aos pés (ou talvez um ganso, simbolicamente aparentados, pois aquele designa a Irmandade, e este a Operativa) de que um, o serpentário, está oculto, e a qual deu nome ao jardim: o da Fada), seguindo as passadas míticas de seus antecessores que, segundo a História mista de fabulosa e exacta, possuindo Sangue Real (donde Sang Greal, Saint Grial e Santo Graal, insuflado no Sangue Magdálico/Benjamita de São Maurício, fundador visigótico da Casa de Lorena cuja Cruz é feita, segundo o Mito, da Árvore de Jessé – patente no exterior do Palácio da Regaleira – de cujo tronco genealógico, rezam as profecias bíblicas, advirá o futuro Messias Redentor), ele, Carvalho Monteiro, só poderia, por razão e direito, assumir tal realeza divina, criando obra soberba à altura de tão grande e distinta Linhagem, com cujo sangue de mesclou através do seu matrimónio com D. Maria Perpétua Pereira de Melo (falecida na tarde do dia 25 de Dezembro de 1913 – por causa disto C.M. passou a azarar o n.º 13 – com 60 anos de idade), neta de Sebastião José de Sampaio Melo e Castro Luzignano, familiar do 1.º Marquês de Pombal e Conde de Oeiras – Sebastião José de Carvalho e Melo – e casado com D. Francisca Saldanha Oliveira, filha do Conde de Rio Maior, D. Francisco de Almeida, descendente do grande Vice-Rei da Índia.

«Sebastião José de Sampaio adquirira o apelido Luzignano (ou Lusignan) por relação de seu pai, 1.º Conde de São Paio, com a espanhola Casa dos Condes de San Payo, descendentes dos Lusignan de Chipre (tendo por motivo heráldico o leão, figura zoomórfica predominante na Regaleira), e Daun e Lorena por sua mãe, a Condessa D. Teresa Violante Eva Judite de Daun (deposta do Jazigo dos Carvalho Monteiro, assim a assumindo como familiar), descender dos Sabóia de Lorena. Foi Desembargador da Casa da Suplicação de Lisboa (desde 1794) e Cavaleiro da Ordem de Cristo (1795), vindo a tornar-se discípulo de José Alexandre Bálsamo, o Conde de Cagliostro (instituidor do Rito Copta, Egípcio ou Andrógino na Europa), que com a sua esposa, Serafina Feliciani, chegaram a Lisboa no dia 25 de Abril de 1787.

    «Realço ainda o facto do actual Brasão Municipal de Sintra ser o da Torre de Lusignan, visto nos finais dos anos 20 (1929) Afonso Dornemas, ilustre heraldista, o ter copiado (ou «plagiado»...) da chaminé da “sala dos reis” do Palácio da Torre, como também é conhecido, para vingar doravante como emblemática oficial desta Vila que D. Fernando II de Saxe-Coburgo Gotha chamou “Capital Espiritual da Europa”. Resta não esquecer que os descendentes de Carvalho Monteiro possuem ainda hoje o apelido “fulano X de Poitiers”, como é o caso do seu falecido neto, faz poucos anos, José António de Carvalho Monteiro Poitiers, esta a cidade francesa vizinha de Lusignan e ambas no Condado do Poitou, onde se deu a lenda nobiliárquica originada pelo Cavaleiro Remondin e a Fada Melusina. Inclusive o Brasão de Coimbra, onde em sua juventude viveu e estudou Carvalho Monteiro, também é associado à Lenda de Melusina (in D. Luís Gonzaga de Lacerda, O selo medieval de Coimbra e o seu simbolismo esotérico. Separata da revista “Armas e Troféus”, Lisboa, 1979). Será tudo isto mero acaso?... Duvido.»

É a seguinte a origem e descendência do proprietário feitor da Regaleira monumental:

Dr. António Augusto de Carvalho Monteiro – Nasceu no Rio de Janeiro em 1849 e faleceu neste seu Palácio de Sintra em 25 de Outubro de 1920.

Pai – Francisco Augusto Mendes Monteiro * 1825.
Mãe – Teresa Carolina Alves de Carvalho * 1825.
Casamento (1.º e único) – 1855 com Maria Perpétua Pereira de Melo.
Filhos do casamento – Pedro Augusto de Melo de Carvalho Monteiro *1873. Casou com Maria Raquel                  George Poitier.
                  Maria de Melo de Carvalho Monteiro * 1877. Casou com D. Francisco de Assis                   Nazaré de Almeida, nascido em Santos-o-Velho, Lisboa, em 16.12.1868.

Foi assim que o Sangue Lusignan entrou no tronco familiar de Carvalho Monteiro, o que de certa maneira alia o Sangue Real ao esforço da Demanda, representado pela Arte Venatória que é a do Falcoeiro e a do Monteiro, este de quem diz o Armorial Lusitano 5:

    «MONTEIRO. Dizem os genealogistas que esta família provém de Rui Monteiro, fidalgo do tempo de D. Afonso Henriques, morador em Penaguião, em cujo concelho possuiu bens. Teve o padroado de Santa Ovaia de Andufe, foi muito rico e poderoso e recebeu-se com Elvira Gonçalves, filha de D. Gonçalo Moniz e de sua mulher, Maria Anes. Parece, porém, pelo exame da sua descendência e dos reinados em que esta viveu, não ser Rui Monteiro tão antigo como dizem. O apelido parece provir de alcunha, certamente tirada de ofício. Do mencionado casamento houve vários filhos que continuaram o apelido. O bispo de Malaca, D. João Ribeiro Gaio, dedicou a esta família os seguintes versos:

                “O que se chamou Monteiro
                 foi D. Payo de Peleja,
                 deste apelido primeiro
                 casou com D. Thereja
                 foi um grande cavaleiro.”

    «As armas dos Monteiros são: De prata, com três trompas de caça de negro, embocadas e viroladas de ouro, os cordões de vermelho. Timbre: duas trompas do escudo, passadas em aspa, atadas de prata.»

    As cenas de caça (as Montadas, donde Monteiro) estão patentes em belo escultórico na “sala de caça” do Palácio, assim como em painel de azulejos junto da primeira entrada para o jardim da Quinta, retractando a saída do Paço Real da Vila de D. Manuel I (grande protector dos Lusignan portugueses e a cuja Coroa os descendentes de Pedro Vicente da Torre estiveram ligados) para uma montada, onde figuram também os falcoeiros. Acerca dos significados esotéricos da montada e da falcoaria, falarei mais adiante.

    Como disse, António Augusto de Carvalho Monteiro era filho de Francisco Augusto Mendes Monteiro (m. Novembro de 1890) e de Teresa Carolina Alves de Carvalho, dos quais além de herdar o sobrenome herdou a colossal fortuna dos pais feita do negócio de cafés e pedras preciosas, além de serem os donos da única companhia de navegação que fazia a travessia entre Lisboa e o Rio de Janeiro, havendo ainda uma representação sua em Goa, associada ao Armador Barão Henrique da Silva Neves.

    Foi precisamente aí, no Brasil, no Rio de Janeiro, como disse, que Carvalho Monteiro nasceu, vindo para Portugal com 10 anos de idade. O que humana e intelectualmente era, restam os testemunhos dos seus netos 6, além das entrevistas pessoais que fiz à sua neta, a Marquesa de Pombal, Sr.ª D. Maria de Nazaré Monteiro de Almeida Carvalho Daun e Lorena, e à Sr.ª D. Jesélia Fonseca, filha do escultor José Fonseca que interviu nas obras da Regaleira, para traçar um perfil da sua pessoa.

    António de Carvalho Monteiro tirou dois cursos, Direito e Filosofia, doutorando-se neste último. Para a sua entrada na Universidade de Coimbra houve necessidade de fazer publicar uma portaria especial, pois era ainda muito novo. Pertenceu ao grupo de Guerra Junqueiro (a quem o Professor Henrique José de Souza atribui ligação à Soberana Ordem de Mariz...), João Penha, Gonçalves Crespo, Júlio Vilhena, Simões de Castro. Iniciou o curso de Medicina, mas desistiu. Curiosamente, nunca recorreu a nenhum médico: auto-medicamentava-se, como os antigos Terapeutas ou Taumaturgos, que ao tempo de Jesus Cristo eram os Essénios.

    – Ele falava latim como nós falamos o português. Dizia “Os Lusíadas” de cor, canto por canto. E soubemos há pouco que tinha uma enciclopédia luso-brasileira. – lembrou o seu neto, António Poitier Carvalho Monteiro.

    Aliás, custeou várias edições de Os Lusíadas e muita fama adquiriu a “Camoneana” que reuniu. Encontra-se hoje, infelizmente, longe de Portugal, na Biblioteca do Congresso, nos EUA, por o seu filho Pedro Monteiro, após o “crash” mundial a pós 1920 que levou à ruína da família, ter vendido a livraria de seu pai. Há um catálogo em inglês discriminando as obras literárias que pertenciam a Carvalho Monteiro: The Portuguese Manuscripts Collection of the Library of Congress: A Guide. Compiled by Christopher C. Lund and Mary Ellis Kahler. Washington, Library of Congress, 1980. Este catálogo consta de 3.602 itens referentes à adquirição em 1927 e 1929 de livros, panfletos e 600 manuscritos das bibliotecas particulares do Conde de Olivais e Penha Longa e do Dr. António Augusto de Carvalho Monteiro. Entre os manuscritos que recuam até 1438, incluem-se documentos originais e cópias. Entre os itens da livraria de Carvalho Monteiro há um número significativo respeitante ao Sebastianismo e ao Messianismo Sebástico, adquirido entre 1850 e 1920. Denota-se ainda pelos mesmos itens o interesse particular de Carvalho Monteiro pela acção histórica do Marquês de Pombal (estando em sua posse o original do último discurso deste, informação reiterada pela Enciclopédia Luso-Brasileira), de D. Pedro IV, de D. Maria II e de D. Miguel. A Colecção dos Manuscritos Portugueses está ainda microfilmada em 75 rolos contendo 3.602 títulos num total aproximado de 154.000 páginas.

    Eram igualmente comentadas e elogiadas as suas colecções de borboletas, conchas, relógios, mobílias e pratas artísticas nas quais gastou quantias consideráveis.

    Católico assumido, monárquico convicto, António Monteiro era amigo íntimo do rei D. Carlos, tendo-lhe essa opção política valido a prisão em Outubro de 1913, no Quartel dos Loios, em Lisboa. Foi julgado como criminoso quase um mês depois na Boa-Hora, acusado de promover reuniões monárquicas na sua Quinta da Torre de S. Domingos de Benfica e de auxiliar com largas verbas o rei no exílio, D. Victor Manuel II. A sua boa-conduta, a sua dupla nacionalidade e, principalmente, a sua incomensurável fortuna, salvaram-no às penas das masmorras da República que, de tão infante e ociosa, não se sabia bem se era um novel regime republicano ou jacobino ou carbonário... ou uma mistura inextricável de tudo isso, para todos os efeitos anti-regalista e anti-papista.

    Quando D. Carlos foi assassinado no Terreiro do Paço, a dor, a revolta, as lágrimas e o luto campearam na Quinta da Regaleira e Carvalho Monteiro encheu o Palácio de crepes roxos e negros durante vários dias, contou-me a sua neta, a Marquesa de Pombal.

    Ironizado pelo povo como o «caga-milhões», a sua figura é ainda hoje tida como a de um avaro excêntrico incapaz de ajudar quem quer que fosse, a de um narcisista que cultuava a sua própria imagem. Antes se devera dizer que realçava a Linhagem Real a que pertencia, e por outro lado foi mecenas anónimo de muitos a quem a pobreza afligia, no que lembro aqui, tão-só, além de ter ajudado com largas somas a Misericórdia de Sintra, por exemplo, para não falar do elenco artístico do Teatro Real de S. Carlos, prestado auxílio regular ao célebre Padre Cruz, que só soube quem era o seu benfeitor secreto depois da morte deste.

    António Augusto de Carvalho Monteiro, posso afirmá-lo, sob a capa do Catolicismo ortodoxo reservava-se preclaro membro da Soberana Ordem de Mariz, e os seus traços psicológicos revelam-no «homem humilde, tímido, discreto e avesso a festas e coisas mundanas». Agia anonimamente, sem ostentação, sem que, em palavras suas, «a mão esquerda precisasse saber o que fazia a direita»!...

    Dele diz ainda a sua neta, D. Maria de Nazaré Carvalho Daun e Lorena:

– Um homem bom, extraordinariamente simples; estatura mediana, barba que parecia seda, voz suave e doce. Detestava discussões, era muito difícil zangar-se e amava a verdade acima de tudo. Não gostava de mostrar o que sentia. Era muito reservado e só se abria com íntimos.

    E prossegue:

    – Gostava da beleza e do grandioso. Tinha o culto do belo mas não era para se exibir. Era “família” o mais possível e nunca dava festas. Era muito bom, dava muita coisa mas com a condição de o seu nome não aparecer. Educou muita gente no estrangeiro, dava imensas mesadas a pessoas que necessitavam, ajudou a montar negócios sem exigir fosse o que fosse em troca. Foi um dos fundadores da Assistência Nacional aos Tuberculosos. Muito religioso e fechado, tinha horror à Maçonaria e a tudo que fosse escuro.

    Acrescente-se, ainda, que Carvalho Monteiro foi também, durante muitos anos, sócio-fundador do Jardim Zoológico de Lisboa, onde também figura o nome de seu pai, Francisco Mendes Monteiro, e de D. Fernando II.

    Ele comprou a propriedade da Regaleira em 1893 por 25 milhões de réis, e conta o tabelião que «o comprador pagou em moeda corrente do reino». Para as obras do Palácio, Capela e Jardim (tendo-as terminado em 1912 e que demoraram 19 anos exactos) mandou vir de diversas partes do País artistas nacionais, especialmente de Coimbra 7. mas quem concessionou a obra foi um arquitecto italiano, acabado de executar o Real Hotel do Bussaco: Luigi Manini.

    – Era um senhor de compleição forte, um gordo do qual nós, então crianças, não gostávamos, pois só tinha conversas sérias com o nosso avô e das quais não percebíamos nada. Era conversa animada de arquitecto e matemático... mas o avô gostava muito dele, e perdiam horas juntos a falar e a passear pela quinta: o avô apontava um sítio, dizia-lhe uma coisa e o Manini escrevia num livro de apontamentos que trazia sempre consigo. O avô pensava e dizia e o Manini fazia escrupulosamente o que lhe era mandado fazer. – disse a Marquesa de Pombal.

Manini, arquitecto-pintor (cujo estilo romântico de Arte Nova quase sempre se baseia na simbologia tradicional), era natural de Brescia, próximo a Milão (cuja cenografia de ópera do Teatro Scala foi por ele concebida), na Itália, sendo descendente de uma família de artistas. Em Portugal, trabalhou como cenógrafo do Teatro Real de S. Carlos, depois no Teatro Nacional de D. Maria, e finalmente meteu ombros à colossal obra do Grande Hotel do Bussaco.

    António Carvalho Monteiro convidou esse mestre d’arte a liderar as obras da Regaleira, o qual aceitou e as executou com mestria inigualável tornando o Palácio um dos mais belos e expressivos monumentos neo-manuelinos de Portugal e, quiçá ou decerto, da Europa e do Mundo, pois toda a sua composição arquitectónica assente na geometria sagrada dos símbolos tradicionais é completamente inédita, inexistindo mesmo na Baviera, em cujas mansões se diz ter inspirado!... Manini pintou ainda, após a Regaleira, a vizinha próxima desta e que é a sua cópia (não inteiramente) ou «duplo-astral», em termos teosóficos: os salões (com temário Melusínico e Alquímico) e a capela privada do Espírito Santo (recheada de alegorias Templárias) do Palácio Biester.

    Quanto à pedra do Palácio da Regaleira trata-se dum calcário muito fino vindo da zona do Outil, próxima de Coimbra, transportada, diz-se, em carros de bois, num processo idêntico ao utilizado para o Convento de Mafra. Fernando d´Orey, que foi um dos 18 herdeiros da Regaleira, disse que Carvalho Monteiro fez as obras «com o rendimento dos rendimentos».

    Diga-se ainda que a Capela de Nossa Senhora da Peninha também pertenceu a Carvalho Monteiro, vindo a morte surpreendê-lo quando se preparava para a restaurar.

    Irei, agora, interpretar alguns dos aspectos que considero mais relevantes nesta Quinta, pedindo desculpa pelos muitos que deixarei de fora.

    Antes, porém, ante a consideração improvada e tão-só suspeita de alguns levados por excessos lúdicos que o forte recheio simbólico desta Quinta suscita, desde dar nomes incoerentes a espaços da propriedade, de maneira a indicar um trajecto fruto inteiro de fantasia recente, até atribuir fundamentos maçónicos à mesma e que inclusive Fernando Pessoa a teria conhecido de perto (quem não a conhece quem vai ou está em Sintra?...) e até lhe dedicado muitos dos seus poemas, tudo isso, repito, destituído da mínima prova concreta e unicamente fruto do que se desejaria que fosse, levou esses alguns, segundo li algures, a considerar a Quinta da Regaleira segundo três princípios interligados que, agora, devo rectificar:

    1.º - Afirma-se que o simbolismo da Quinta é «maçónico-templário e católico-monárquico». Será antes Cristão Gnóstico, baseado na estrutura Templária (Ergon) e Alquímica (Paraergon), ainda que velado por basta simbologia católica, de interpretação dupla, imediata e substracta.

    2.º - Refere-se um percurso iniciático «alquímico-rosacruciano». Será antes Alquímico Gnóstico, imediatamente conectado ao princípio anterior e ao posterior.

    3.º - Diz-se que o simbolismo de todo este espaço contém cifrada, na linguagem dos símbolos, a Tradição Espiritual Portuguesa, e isto está certo, pois é exactamente o que venho dizendo desde cerca de 1980, altura em que comecei a estudar o recheio da Quinta da Regaleira.

Os nove patamares da Torre Jina ou subterrânea levando ao ventre da Mãe-Terra, não deixam de remeter para os nove estados da Matéria Primordial, em conformidade com a Ciência dos Tatvas ou “vibrações subtis da Natureza”: Sólido, Líquido, Gasoso, Químico, Vital, Luminoso, Reflector, Subatómico, Atómico. Isso terá a ver com a Cosmologia própria ao Culto Cristão-Gnóstico, de inspiração Templária e de carácter Andrógino (masculino-feminino) que se terá operado na Regaleira, como toda a sua simbologia religiosa aponta à primeira vista, sem mais interpretações. Isso leva-me a aventar a hipótese do espaço da Regaleira (cuja planta é pentagonal) estar dividido em 5 etapas iniciáticas, de maneira a perfazer o Pentalfa Luminoso ou Tetragramaton, como seja:

Recepção do Neófito (Elemental) = Interior da  Torre de Melusina ou “la Dame du Lac”;

1.ª Prova (Terra) = Entrada  e  saída nas  duas Torres subterrâneas, «velha» e «nova»,  designando a «morte do homem velho» e o «nascimento do homem novo»;

2.ª Prova (Água) =  Saída  das   trevas  cavernosas  e travessia do lago dos cisnes por cima de quinze pedras serpenteantes;

3.ª Prova (Fogo) = Reflexão na casa ou  “câmara egípcia”, a  que tem  a ave íbis retractada,  símbolo de iniciação e renascimento, nas cercanias da  estátua do leão e “encravada” entre três bancos formando triangulação os quais designam os três “espíritos alquímicos”: Sal – Mercúrio – Enxofre;

4.ª Prova (Ar) = Subida ao cume da Torre de Melusina, a Real ou da Regaleira, subida essa que se deve achar, pois a dado momento interrompe a ascensão;

5.ª Prova (Éter) = Recepção do Iniciado na Capela do Espírito Santo e investidura na Cripta da mesma;

Recepção do Iniciado (Subatómico e Atómico) = Acesso pleno do novo Templário ao Palácio e ao Templo, como se fosse o direito iniciaticamente justificado ao Poder Real e à Autoridade Espiritual da Regaleira, para mim, lugar charneiro do Culto Graalístico em Sintra logo ao começo do século XX, tendo por figura central o próprio Carvalho Monteiro cujas iniciais, C.M., levam-me assim à mística do Coração de Cristo-Maria.

Observa-se a Regaleira disposta como se fosse uma imensa barca que, como arca pétrea, não deixa de configurar a Agharta mesma. Alicerçada sobre canais subterrâneos sobrepostos desde o mais interior (dos quais só são acessíveis uma pequena minoria mais ou menos à flor do solo), assinala a própria estrutura do Mundo de Duat no qual a espiral e o círculo predominam. Daí os labirintos e as grutas (proliferando na Quinta) como indicativos do seio materno da comum Mãe-Terra, onde se toma posse efectiva do Vitriol alquímico e a Iluminação é consumada.

    O facto de dominar o culto a St.º António, de predominarem alegorias vegetais do carvalho e cenas abundantes de montaria, de maneira alguma significam o narcisismo desmedido de António Carvalho Monteiro, mas antes a justificativa do antigo preceito da transmissão hereditária, comum a diversas Ordens Iniciáticas e a várias Famílias Nobiliárquicas, como é o caso da de Borgonha-Avis, da Saxe-Coburgo Gotha e da Lusignan. Trata-se da divinização natural da Família, tradição remontando aos primitivos Reis Merovíngios, como afirmação da Linhagem Eleita.

    Fernando de Bulhões, o Santo António português doutor da Igreja, é um beato helíaco, solar; o carvalho, com a equivalência simbólica de templo entre os antigos druidas, é a árvore do fogo e do poder; por fim, a montaria relaciona-se à tradição dos “santos caçadores”, acontecendo a Iluminação espiritual “durante uma caçada”, sinal claro da busca da Transcendência, do Graal assinalado no “veado cristóforo” ou então no “javali, designativo da posse do poder e da sabedoria espiritual” 8, facto originador de numerosos mosteiros em enclaves tradicionalmente consagrados, como é o caso da Nazaré, cuja lenda do Caçador-Templário D. Fuas Roupinho está patente em painel azulejado na Capela da Regaleira.

    A montaria, ligada à falcoaria (o falcão é a ave caçadora predilecta dos reis medievais, o qual simboliza, dentro da Corrente Cavaleiresca ou Kshatriya, a fénix, a ave mítica da Ressurreição), é por excelência a arte lúdica paramilitar dos reis, e nisto associa-se estreitamente à Iniciação Kshatriya ou “Guerreira”, cuja expressão máxima vai-se encontrar nessa Arte Real de “guerrear” os elementos naturais que é a Alquimia.

    Ora vai se encontrar no piso superior do Palácio, abrindo para um pequeno terraço, um pequeno quarto com todas as especificidades dum laboratorium alquímico. Neste compartimento só o proprietário entrava, como contam os seus descendentes. Não faltam aí o forno, o armário inferior para guardar os ingredientes, a fonte ao lado e também o terraço (junto a outra contingência octogonal – o scriptorium, também exclusivamente reservado a Carvalho Monteiro), eventualmente destinado para recolher aí o orvalho matinal. Este belveder tem colunelos, decorados com conchas de caracol, apresentando três efígies que, para mim, são as dos inspiradores de Carvalho Monteiro quanto à simbologia da Regaleira: D. Gualdim Pais, o Grão-Mestre Templário, Luís de Camões e Dante Alighiere.

    Scriptorium e laboratorium consignam-se no Ora et Labora, o mesmo laboratório (labor+oratório) expressão estática do universo alquímico. Ademais, espalham-se por toda a Quinta símbolos, emblemas e alegorias retiradas à Tradição Hermética da qual a Alquimia é o corpo, o Corpus Hermeticum.

    Junto à entrada do Palácio desenha-se, sob o beiral da janela lateral, um vistoso M rodeado de rosas, o qual designa tanto o Coração de Maria – Cordo Mariz – quanto o Roseiral Mariano, nome dado na Idade Média aos tratados alquímicos que, aqui, é o próprio Palácio, desta maneira tornado “Mansão Filosofal”, parafraseando Fulcanelli. Aliás, a letra M está patente em toda a Obra de Monteiro “Milhões” e daqueles que o rodearam, a começar por Manini. Letra-mãe por excelência no alfabeto hebraico (Mem), assinala tanto o Eterno Feminino (representado pela vulva planetária que é a loka, cripta ou gruta) como o Logos Criador como “Grande Oceano ou Abismo”, as “Águas da Génese ou da Criação” assessorada por Vénus – Balança e por essa misteriosa Hierarquia Criadora chamada dos “Deuses do Pentalfa” (Maka-Muni-Makaram), ou sejam os Makaras em número cabalístico de 111 formas-duais.

    Precisamente na chaminé do Palácio, voltada para a curva da Rua dos Pisões, está esculpido um estranho animal mitológico, e que corresponde exactamente à alegoria hindu do Makara. Na tradição védica, o Makara é provido de uma espécie de tromba parecida à do elefante, e o qual Varuna, deus do Oceano, monta. É representado com a forma de um animal possuindo a cabeça e as patas dianteiras de um antílope e a cauda de peixe. E é isto que está esculpido na chaminé do Palácio da Regaleira, atestando a real natureza de Carvalho Monteiro e que o mesmo terá bebido nas fontes teosóficas de seus contemporâneos Helena Petrovna Blavatsky e Francisco Stuart Mourão, o Visconde de Figanière, este o precursor português do Ideal Teosófico.

    A Hierarquia Makara cosmogonicamente conta-se como a quinta (do Mineral ao Espiritual) e a que reúne em si os cinco sentidos humanos. Diz a tradição que doou o Sexo ao Homem e ajuda a desenvolver o Mental deste, sendo portanto a própria Iniciadora do Género Humano como cúspide do mesmo. Daí o Pentalfa, a estrela de 5 pontas, ser a insígnia dos Makaras, a qual é chamada na tradição védica de Makaram. Makara, ainda, significa “crocodilo”, animal anfíbio cujo símbolo corresponde ao Cúpido ou “deus do amor e do desejo” (Kama-Deva) da mitologia greco-romana, e cuja seta inquietante podendo acertar em qualquer um enleando-o na mais calorosa paixão, é tão-só a cauda do Escorpião, constelação “encarnada” pelos Makaras, assim sendo “Senhores de Marte”.

Quanto à totalidade das doze Hierarquias Criadoras, representadas nos signos do Zodíaco, está patentes no jardim da Regaleira em formas escultóricas da mitologia greco-romana. Assessora-as um enorme leão representando o próprio Sol que, entre os metais, é o ouro. Como signo zodiacal, o Leão aparece como quinto que, assim, expressa o Espírito Universal para o mesmo Género Humano, nesta perspectiva cosmogónica, para não dizer que, particularmente, é parte distinta das Armas de Lusignan.

    A passadeira que cobria o soalho de acesso ao laboratório era vermelha (cor do “Fogo Terrestre” ou Kundalini promanada de Shamballah, o Sol Central Interior ou “Laboratório do Espírito Santo”, à superfície pelos “poros” do solo) e tinha em banda alternadas a esfera armilar manuelina (distintivo de Hermes Trimegistos, adoptado pelos cabalistas judaico-cristãos) e a cruz de St.º André (X) dentro de uma forma oval.

    André provém etimologicamente do grego Andrós, significando “homem”. Andrós é uma contracção de Alexandrós, correspondendo a “defensor de homens”. Ora St.º André relaciona-se com a ideia da ressurreição alquímica da ave Fénix queimando-se sobre uma fogueira feita de dois lenhos em aspa, tal como a cruz em que foi crucificado o Apóstolo em Patras.

    Devido à ideia de ressurreição, St.º André tornou-se a imagem ideal da Opera Magna para os praticantes da Alquimia laboratorial, principalmente para aqueles que estão na sua fase derradeira, prestes a conquistar o “Ouro Filosófico” saído da igualmente “Filosófica Pedra”: a Crisopeia.

    A forma oval é de facto o “Ovo d’Ouro” (Hiranyagharba) etérico ou akáshico, como quinto elemento, do qual nasceu o Universo pelo impulso da Pramantha ou Cruz Cíclica (     ), no centro da qual está a Fénix, Andrós ou o Demiurgo em constante adaptação aos Ciclos de Vida.

    Ora o “defensor dos homens” assume-se aqui o próprio Carvalho Monteiro, como Arauto e Defensor da própria Tradição Lusófica ou da Portugalidade Iniciática. Neste sentido, na “sala dos reis” (antiga sala de jantar) do Palácio apresentam-se vários elementos merecedores de interpretação acurada. As paredes estão decoradas com pinturas losangulares de azevinhos configurando Cruzes da Ordem do Santo Graal (que também se vêem na Capela). O azevinho é a planta simbólica da Natividade, do Nascimento. Ora na dobra escorrendo do tecto em madeira de carvalho para a parede, estão expostos 24 painéis com pinturas representando cada qual uma personagem da Monarquia Lusitana (20 reis e 4 rainhas, logo 24 monarcas, algarismo que no Tarot egípcio de Cagliostro corresponde à “Tecelã” ou tecedora do Véu Akáshico do Universo, particularmente de uma Nação, aqui a Portuguesa a ver com a Mãe Divina, a qual é, na expressão feliz do Padre António Vieira, a “lusitana Mátria”), desde Afonso Henriques e D. Dinis até D. João V e D. José I, não faltando a rainha depois de morta, a malograda Inês de Castro, mas faltando propositadamente os três Filipes de Espanha. Foram todas essas eméritas figuras reais quem mais comparticiparam, humana e espiritualmente, no nascimento e formação desde País que Afonso Henriques chamou, no documento de doação de Tomar aos Templários, de Porto-Graal.

    Abaixo dos painéis há quatro brasões ornando as quatro paredes da sala: o de Guimarães (onde se deu o nascimento histórico de Portugal, estando sobre a lareira ornada na face dianteira com o brasão de Sintra, onde se deu o nascimento espiritual de Portugal) e o de Lisboa (a Boa-Liz, no dizer do cronista de D. João I, Fernão Lopes, cidade da deusa Lusina e actual capital política do País). Os restantes brasões antigos de cidades portuguesas estão, cada qual, entre duas figuras régias femininas: na parede esquerda da sala abaixo do painel da Rainha Santa Isabel, a peregrina jacobeia de Santiago da Galiza e oficializadora do Culto do Império Popular do Divino Espírito Santo, está o brasão de Braga, a cidade mais antiga da Península Ibérica e Primaz da Hispânia como sede do Apostolado de Santiago Maior, filho de Zebedeu e Maria Salomé e irmão de João Evangelista; na da direita, sob o painel da Rainha D. Filipa de Lencastre (“a Princesa do Santo Graal”, como lhe chamou Fernando Pessoa na sua Mensagem), matriz da Ínclita Geração e da Dinastia de Avis, tem-se o brasão de Coimbra, onde Pedro Vicente da Torre se fixou primitivamente, tal como depois Carvalho Monteiro.

    Como já disse, ao fundo da sala está uma bela “lareira medieval”. É projecto de Luigi Manini e por si só constitui uma obra de arte de valor inestimável. O desenho e modelação são de José da Fonseca. Por cima está o brasão de Sintra, não muito posterior a 1910, em que certamente Afonso Dornemas se inspirou em 1929 para criar o actual Brasão Municipal de Sintra, o qual tem a sua origem nesse outro da Torre de Lusignan.

    Na chamada “sala de caça” encontra-se uma lareira monumental, obra de Rodrigo de Castro, onde se vê um monteiro com dois cães, um galgo e um pastor, defronte para um javali, no extremo da sala, obra do mesmo autor. Representa a demanda, a aventura do Iniciado protegido pelo cão, simbólico do guardião mas também do fogo (do lar, donde “lareira”). O galgo designa o “solve” e o pastor o “coagula”, estando de lado a figura dum encapuçado: é o Adepto Real ou Superior Incógnito.

    No piso superior do Palácio, sobre a entrada para o laboratório, assinalada por enorme esfera armilar, estava ao centro do tecto um grande painel com a linda pintura de três deusas. Representam as três Parcas, Normas ou Graças do Mundo: Fé, Esperança e Caridade ou Amor cujo facho jamais se apaga. Tais Ragas (“Normas”) assistem às três tradicionais e iniciáticas Margas (“Caminhos”): Dever (Karma-Marga – Físico), Devoção (Bhakti-Marga – Emocional), Inteligência Iluminada   (Jnana-Marga – Mental).

Mas é a Capela de Santo António do Espírito Santo, ou somente do Espírito Santo (nada tendo a ver com a Santíssima Trindade que aqui não está patente sobre o altar-mor, ponto referencial do Orago de todo o templo cristão, e mesmo não cristão, como seja o hindu e budista), quem mais me diz e importa, confesso. Feita num estilo misto de gótico-bávaro com neo-manuelino, encima-a a Cruz Templária e creio descobrir neste espaço sagrado a ligação esotérica profunda de Carvalho Monteiro, além da aparente católica romana.

    Sobre o exterior da entrada vê-se o motivo do Padre Eterno, ladeado por dois anjos, abençoando a Anunciação, e sob esta cena, num listel, foram gravadas em latim as palavras da Virgem citadas por São Lucas (o Lug cristianizado): Ecce Ancilla Domini – “Eis a Serva do Senhor”. A Serva, nesta caso, será a própria Capela, consagrada ao Ofício de Deus. À esquerda da entrada tem-se a imagem patrística de Santo António o Franciscano, e à direita a imagem matrística de Santa Teresa de Ávila a Carmelitana.

    O desenho e modelação das estátuas da capela são do ilustre antigo professor da Escola de Desenho Industrial de Coimbra, António Augusto Gonçalves, tendo sido a execução da escultura do seu discípulo e professor na mesma Escola, habilíssimo artista, João Machado.

    No interior, a capela condiz com o exterior: rico e belo altar, quadros do artista Júlio da Fonseca, que ficou a ultimar os trabalhos depois da partida de Manini. Júlio da Fonseca e seus irmãos, José da Fonseca e Luís da Fonseca, foram hábeis mestres-canteiros que muitíssimo contribuíram para o bom resultado final deste “Palácio de Fadas”.

Dentro, logo à entrada, orna o andro o Triângulo com o Olho da “Divina Providência” sobreposto à Cruz Pátea, designativa da Cristandade, em Resplendor. Abençoa o cristão, o devoto que adentra a “Casa do Senhor”. Este é um emblema de um só significado católico, mas ainda assim também Católico Gnóstico, nada tendo a ver com qualquer tipo de maçonismo, pois se assim fosse não teria a Cruz.

Uma enorme Cruz Templária vermelha em fundo azul, feita com mosaicos, cobre o chão da assembleia, sacralizando-o. Os postigos da porta de acesso à pequena sacristia lateral à direita do altar, são sobrepostos por Cruzes da Ordem do Santo Graal, e no seu interior vê-se uma escultura da Taça Sagrada e ao fundo um belíssimo vitral de cores variadas ostenta a Cruz da Ordem de Cristo (sucessora directa da do Templo), a qual é também a Cruz Salvífica ou Redentora dos Argonautas ou Navegantes de Quinhentos, sobreposta a um medalhão com o IHS, que tanto vale por I.nfante H.enrique de S.agres.

    Ao fundo, as esculturas de dois Anjos Turibulário (“o que agita o turíbulo para incensar”) e Turiferário (“o que leva o turíbulo”) ladeiam sobre o altar o painel central, feito em mosaico italiano. Apresenta a Pomba do Espírito Santo baixando e tendo três Querubins (do hebreu Kerub, “Tesouro”, e Cherub, “Guardião”, logo, “Guardiões do Tesouro” que é “Real Segredo”) de cada lado, ligeiramente abaixo, os quais testemunham Jesus Cristo coroando uma figura de mulher sem halo de santidade, e na iconologia cristã a única mulher que não apresenta halo de santidade é a «pecadora arrependida», isto é, Maria Madalena. Ela é o Tesouro Esposal, o que se representa no Querubim soprando sobre a Coroa.

    Madalena, a Esposa-Viúva, é tão-só o símbolo venusto da Iniciação Críptica ou Subterrânea, como igualmente a expressão feminina da Igreja Sacerdotal, “Secreta”, de São João. Aliás, a cabeça “bafomética” de São João Batista está adiante e acima da Cruz que orna o altar.

    Aqui, sim, e para afastar de vez quaisquer pretensões maçónicas, mesmo que sendo completamente inválidas simbólica e historiograficamente, porque não existem senão como tendências lúdicas e só isso, posso agora rematar com um pouco de cada um dos três poemas “S. António – S. João – S. Pedro”, escritos por Fernando Pessoa no dia 9 de Junho de 1935, recentemente publicados por Yvette K. Centeno 9:

“São Pedro

Parece que com essas barbas brancas
Por um phenomeno de imitação
Pretendes ter um ar de Padre Eterno.
(...) O Santo são as chaves, e não tu.

Santo António:

Santo António és portanto
O meu santo,
Por isso quero que passes
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Catholico, apostholico e romano.
(...) deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim,
Esquece a doutrina e os sermões.
(...) Foste Fernando de Bulhões,
Foste Frei Antonio –
Isso sim.

São João:

Eu a julgar-te até catholico,
E tu sahes-me maçom.
Bem, ahi é que há espaço para tudo,
Para o bem temporal do mundo vario.
Que o teu sorriso doure quanto estudo
E o teu cordeiro
Me faça sempre justo e verdadeiro,
Prompto a fazer falar o coração
Alto e bom som
Contra todas as fórmulas do mal,
Contra tudo o que torna o homem precario.
Se és maçom,
Sou mais do que maçom – eu sou templário.
(...) Meu Irmão, dou-te o abraço fraternal.”

    No recanto lateral direita da capela abre-se uma escadaria em caracol que sobe ao coro. Aqui patenteia-se no solo novamente a Cruz de Cristo, num vitral um triângulo dourado com as cabeças dos sete netinhos de Carvalho Monteiro, representando os sete Caprinos, Cabires ou Kumaras, como “Virgens Celestes”, e enlaçados a cordão de marear na frente da balaustrada o III e o V, designativos da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade e do Quinto Império a ser mandado por Ela.

    Pela mesma escadaria tem-se acesso à cripta, assim como pelo jardim (estando a entrada vedada por um portão gradeado ostentando um pentalfa). Esta cripta, em abóbada de berço, pintada de branco, além do chão ladrilhado em xadrez, tem só a ilustrá-la uma pia de água benta e um altar com uma cruz franciscana. Um pouco mais adiante, há uma mina aberta no ventre da Serra destinada a canalizar a água para a capela e para a fonte exterior ao portão gradeado. Não foi terminada pela simples razão de entretanto ter-se aberto uma nova conduta, a que fornece água à dita fonte e ao jardim dianteiro ao Palácio. Reza a tradição que o corpo de Carvalho Monteiro foi deposto nesta cripta após ter estado em vigília toda a noite no andar superior, e daqui seguiu para o Cemitério dos Prazeres.

Irei terminar esta breve incursão à Regaleira na Torre que deu nome à Quinta. Observa-se no seu interior ao fundo uma gruta artificial donde escorre água para um pequeno lago, tendo adiante uma donzela sentada com uma pomba no regaço e um ganso aos pés, dos quais um está escondido pela veste. É a “Senhora do Lago”, Melusina ou Lusina (representada precisamente pelo ganso, símbolo do Companheirismo ou dos Construtores-Livres, que tiveram Magdala ou Madalena como sua Padroeira), a protectora de “Lancelote do Lago”, “o melhor Cavaleiro do Mundo”, aqui só podendo ser idealizado em Carvalho Monteiro.

    Segundo a obra de Jean d’Arras, O Livro de Melusina ou a Nobre História dos Lusignan 10, Melusina foi a fada que casou com o cavaleiro Remondin (Rei do Mundo?) e deu origem à estirpe dos Lusignan, sendo guardada por um dragão postado à entrada de uma torre (no caminho que leva à torre subterrânea há a estatuária de dois dragões enleados os quais, dentre outras coisas, alegorizam o Solve et Coagula). Era originária de Albon ou Albion, a “Terra Branca” (simbolizada na Virgem Branca a que os antigos Templários associavam a Festa das Candeias ou Candelárias 11, a Festa Candelarum), isto é, a Escócia, e filha de outra fada chamada Presina e de um rei Elinas, que governava aquele território. Melusina era a filha mais velha que, após o afastamento da fada-mãe do pai mortal, ficou encarregada de cuidar da fonte sagrada (Fons Sée), por uns sita no interior dum monte, mas por outros numa torre 12.

    Todo esse mito denota tendências atlantes. E o que bem se sabe é que da união dos Lusignan com os Bouillon, através de Godofredo de Bouillon ou Bulhão, o líder incontestável da 1.ª Cruzada, o conquistador de Jerusalém e parente directo dos primeiros reis francos da Cidade Santa, os Baldovinos, a dinastia dos procedentes da fada Melusina cresceu em França.

    Ora os Lusignan, e isto indo ao escrínio da Tradição Iniciática, diz-se terem origem real na estirpe iniciada por Jesus Galileu e Maria Madalena, e que no século V essa linhagem, cruzando-se com a dos Francos, engendrou a dinastia Merovíngia da qual saíram os Baldovinos e os Borguinhões, parte deles vindos para Portugal acompanhando o Conde D. Henrique de Borgonha.

Há o testemunho histórico de S. Maurício, capitão romano que se casou com uma descendente de Sara (que em hebraico quer dizer “Princesa”), pressuposta filha de Jesus e Madalena, ou seja Sabina, e o qual tombou em batalha na região helvética (hoje Suíça) entre os anos 280 e 300 d.C. Ainda segunda a lenda áurea, Maurício tornou-se cristão convertido por S. Lázaro, emigrado para a Europa após a Tragédia do Gólgota. Os seus descendentes vieram a originar o Ducado de Sabóia, fundado em 1030 por Umberto, condestável do imperador Conrado II, último rei de Arles, território franco-italiano (e talvez também por isto, por simpatia ou afinidade, Carvalho Monteiro tenha convidado Manini a dirigir as obras da Regaleira, ele que era proveniente dessas bandas). Este Ducado propiciou a ligação entre Borguinhões e Helvéticos, e entre Romanos e Germanos. Da ligação dos primeiros saíram S. Bernardo de Claraval e os fundadores do Condado Portucalense. Da ligação dos segundos brotaram os futuros reis de Itália e os fundadores dos Saxe-Coburgo Gotha.

Dessa importantíssima união tendo por fundo o Sangue Lusignan atribuído a Jesus Cristo e Maria Madalena, faltava só objectivar-se uma Monarquia de direito Divina que fosse o arquétipo das restantes da Europa. Resultou então, em 1145, o casamento do primeiro Rei de Portugal, Afonso Henriques, com D. Mafalda, filha de Amadeu II, Conde de Sabóia, Moriano e Piemonte, e da Condessa Mafalda de Albon, do ramo dos primitivos Luzignanos do Centro da Europa.

    Em Junho desse mesmo ano, já D. Mafalda assinava documentos portugueses a par de esposo Afonso I, como soberana e com o nome de Mahalda, tradução encontrada no português latinizado de então para o seu verdadeiro nome franco-helvético, Mahaut 13.

    Tem-se, pois, os Lusignan na Regaleira e na Penha (vulgo Pena), como igualmente patentes no actual Brasão da Vila de Sintra. Após tudo o dito, posso sem exagero mas certamente causando grande estranheza e até inquietação em que está habituado à aparência dos factos históricos sem mais aprofundamentos, pois que para além desses cuido de observar o lado «marginal» da mesma História, para não dizer as suas causas velada, afirmar que Sintra tem Sangue Bíblico, é Feudo privilegiado de Tradição Iniciática, e disso António Augusto de Carvalho Monteiro foi o seu mais fiel garante logo ao início do século XX.

    Honra e Glória, pois, aos da Torre que ergueram bem alto o Esplendor desta divina Terra Lusa que é Sintra, que é Portugal.